
Faz exactamente hoje dois anos, que resolveste alterar abruptamente o rumo duma história linda até então, cheia de coisas muito boas, momentos inesquecíveis...
Nesse dia, no final dele, ainda consegui encontrar forças para fazer um resumo daquilo que foi o nosso dia sem ti, na esperança de que mais tarde o pudesses ler e ver como és importante para mim, como sem ti a minha vida continua a correr, mas como é muito difícil preencher o imenso vazio que deixas-te.
Dia 7 Julho 2006
6:13 – Como te estavas a sentir muito mal chamei o 112 para te levarem tão rápido quanto possível para o Hospital, embora não quisesses por nada que tal acontecesse.
Por volta das seis e trinta deves ter perdido os sentidos, pois acordaste sem saber muito bem o que te tinha acontecido, e passados alguns minutos apareceram os bombeiros para te prestarem os primeiros socorros, entre o desespero do Maridão, e o choro das crianças e da avó, a tua filha apenas te dizia para teres calma que não seria nada de grave.
Quando finalmente apareceram (desculpa, mas tive que atender o telefone que não para de tocar, tantos são aqueles que querem alguma informação a teu respeito - neste momento mais pareço a tua mãe pois sempre que desligo não consigo conter uma ou duas lágrimas de saudade de te ouvir a ti em vez de todos eles) lá iniciaram os procedimentos para te levarem para o hospital o que demorou um monte de tempo.
7:33 – Deste entrada directamente no serviço de reanimação, onde eu apenas te podia ouvir do outro lado da porta, sempre com aquela enorme aflição de calor e falta de ar.
Falei com a médica que te assistiu para lhe dar o teu historial de doenças e passada meia hora lá apareceu de novo um doutor a dizer que te tinham medicado e os valores das tuas análises tinham melhorado substancialmente mas que estavas com enormes dificuldades respiratórias e que provavelmente te iriam ligar ao ventilador. Nesta altura a Cinda já estava comigo.
10:30 - Havias dado entrada nos serviços e só cerca do meio-dia poderíamos ter informações a teu respeito, fui a casa da Cinda tomar uma banhoca, e...
11:15 - Voltamos novamente ao hospital para saber do teu estado, onde nos informaram que estavas nos cuidados intensivos de cardiologia, e que me tinha de dirigir lá para o médico falar comigo, o que acabou por acontecer e onde ele me explicou que havias tido uma embolia pulmonar e feito uma paragem cardíaca (gostas mesmo de complicar as coisas, uma só não bastava) e que tinhas conseguido reagir ao primeiro embate, mas que estavas a lutar com todas as forças para conseguires sair dessa situação.
Tiveram que te entubar para que a máquina te ajudasse a fazer a respiração e como és uma grande invejosa lá levaste também um tubinho directamente ao estômago para retirar o sangue que tinhas engolido aquando da entubação. Como tal foram obrigados a induzirem-te um estado de coma para que pudesses suportar os tubos sem grandes agitações e esforço da tua parte. Como deves calcular foi aqui que o Mundo desabou aos meus pés, pois não estava minimamente preparado para ouvir tal notícia, muito menos para transmiti-la à filhota.
E o primeiro momento de grande pavor foi vivido na companhia da Cinda que embora sem forças ela própria no primeiro momento lá arranjou um bocadinho de vontade para me reconfortar até ela cair também por terra e desarmar completamente.
13:00 – Havia que voltar a casa e transmitir a notícia a todos, mas principalmente à Patrícia, e resolvemos que o melhor era mesmo contar-lhe o que tinha acontecido, de uma forma mais ou menos estendível para ela. Foi o que fiz, e ainda bem porque a cada vez que o telefone tocava ela corria imediatamente para tentar ouvir alguma coisa, e ainda por cima tocava a toda a hora. (É nestas alturas que sabemos quem são os verdadeiros amigos) e são tantos que nem imaginas, porque passados alguns minutos e vindos não sei donde choveram os telefonemas, todos queriam fazer parte do elo da corrente para te dar força e se juntar contigo nesta luta.
16:00 – Hora da visita dos doentes da UCIC e lá estávamos novamente para te ver, na primeira vez que estive no serviço não consegui arranjar forças para entrar, mas desta vez a ansiedade apoderou-se de tal forma que os minutos foram horas até poder olhar para ti.
E não imaginas a sensação de impotência que foi olhar para ti, ali deitada cheia de tubos por todo o lado a lutares para te manteres connosco.
Ao que parece e pese embora não estivesses acordada reagias mais ou menos à presença daqueles que te adoram.
Ao ouvires a minha voz ficavas sempre um bocado agitada, e eu ficava sem saber se devia estar ou não, porque não conseguia entender se te estava a fazer bem ou mal.
No entanto depois de uma longa conversa com o enfermeiro para me explicar o que te tinha acontecido e me ter acalmado um bocado.
O enfermeiro deu-me indicações para lhe ligar (embora fora da hora normal para o fazer) cerca das nove e trinta para saber como tinhas passado o resto do final da tarde, e quando lhe liguei lá confirmou que a minha “fofinha” CONTINUAVA AGARRDA À CORDA DA VIDA COM TODAS AS FORÇAS…
E esta, embora, não sendo a notícia de excelência não deixava de ser uma boa noticia, e pedi-lhe para voltar a ligar na sábado de manhã para saber como tinhas passado a noite, pois embora não fosse ele a estar presente podia-o fazer.
Entretanto os telefones não paravam, no final da noite a tua filha e eu fomos fazer-te a primeira de muitas visitas junto à janela da enfermaria que o pessoal de enfermagem tinha feito o favor de assinalar com uma luz azul para ela melhor identificar onde estava o quarto da mãe.
E quase me esquecia do Mundo, nada de importante o preço de petróleo chegou aos 75 dólares, e o Rui costa fez furor no treino do Benfica na Bélgica.
Hoje ao reler o que escrevi, vejo o quanto as coisas mudaram, o quanto a esperança pode cair, o quanto o sofrimento dói, só esse não mudou, ele e estas teimosas lágrimas que tal como há dois anos atrás teimosamente não param de correr.